Senhores da água: o uso da cerca com represamento dos recursos hídricos e históricos do município de Potiretama Luiz Gustavo Cruz
Senhores da água: o uso da cerca com represamento dos recursos hídricos e históricos do município de Potiretama Luiz Gustavo Cruz
O habitado onde hoje se localiza o município de Potiretama, teve seu processo de povoamento iniciado em meados do século XIX, com a família Campelo, que fizeram a introdução da pecuária na região. Decorrente dos desdobramentos econômicos da criação do gado, avanço das edificações coloniais e instauração de fazendas, elevaram-se à Vila de Nazaré. Não diferentes das demais sedes colônias, a priori, a economia girava em torno do cultivo monocultura da cana-de-açúcar e da introdução da pecuária como economia auxiliar, que é descrita por Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil Contemporâneo, 1953, p. 182 (a pecuária fora atividade de grande importância, tanto para a economia como para a história da ocupação do território.) A fonte de economia do povoado mudara de acordo com a necessidade de produção dos senhores, proprietários das casas-grandes que, também, eram detentores dos latifúndios. O que antes se baseava no gado e no açúcar, com o correr das décadas mudara para a cotonicultura e, por fim, o Caju –assolado pela praga da Broca— que ainda prevalece com força reduzida no município.
Os sertões são constantemente afetados pelos densos períodos de deficiência das precipitações (chuvas), que resultaram em longos períodos de estiagem e abalam de forma drástica o ecossistema e as subsistências socioeconômicas dos que desta dependem. A seca acompanhou todo o processo de ocupação do território nordestino. Há registro que datam do final do século XVI, ao início do século XXI (1583 até 2014). Para o estabelecimento de uma forma de economia, era necessário a observação de diversos fatores que influenciavam o êxito ou o fracasso do meio que se queria introduzir. A localização, clima, solo e, de suma importância, o regime de chuvas, eram fatores postos em pauta. Os períodos de estiagem ocorridos em 1777/78 e 1790/93, contribuíram como causa principal para a diminuição dos rebanhos no Ceará, afetando diretamente a indústria da pecuária, por exemplo, e fazendo-a migra para o Rio Grande do sul, em 1780, tornando-o um competidor com o charque cearense. A faixa litorânea – onde se concentra maior incidência de chuva, além da proximidade com o mar— era principalmente destinada ao cultivo da cana-de-açúcar e estabelecimentos de engenhos.
No final do século XIX, em 1891, incluiu-se na constituição brasileira um artigo que elencava ao estado o dever de socorrer regiões afetados por desastres naturais.
Movimentações de combate à seca, como a construção de barragens, açudes, poços, assistência social e criação de frentes de trabalhos, foram iniciadas em 1909 com elaboração da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) que, na posteridade, seria rebatizado de Departamento de Obras Contra as Secas (DNOCS), como ainda se chama. Desde sua criação, a açudagem tem sido uma das principais táticas de combate a seca usada pelo DNOCS. Há parâmetros para a construção desses açudes; grandes faixas de terras e populações em vulnerabilidade hídrica são fatores essências. Os latifundiários que se direcionavam ao DNOCS, com uma demanda dita coletiva, que a construção do reservatório em sua propriedade daria a seguridade hídrica às várias famílias. Acatando a demanda, passando por processo de análise e captação de recursos que poderiam ser da esfera estadual ou federal, o DNOCS iniciava as obras.
Em uma terra com clima incerto, onde a semiaridez assenhoreia as relações, dominar a água significar ter sob seu poder o alimento, o gado e o povo que deles precisam. O meio de dominação muda, mas preserva-se o dominador. Aquele que antes dominara a cana; o algodão; a pecuária, agora domina o elemento vital. Após a construção dos açudes em propriedades privadas, era de práxis dos fazendeiros cerca-los para fortalecer o domínio sobre o bem.
Deimy, conta relatos afetivos que ouvira de seus pais e avós; experiências de convívio com o semiárido na década de 80, que narram as longínquas distâncias que tiveram de percorrer até a casa dos senhores para que tivessem acesso à água. Esses hábitos que já estavam enraizados nas famílias da região, eram transmitidos ainda na infância. O pai, como era o provedor – na divisão de atribuições da época–, ia à roça para garantir o sustento da casa. As crianças ficavam no lenitivo do lar em ociosidade; logo, a estas atribuíram o suprimento de água da casa. O ato de percorrer estirões de terras, com galões secos no lombo de animais, nem sempre surtira o efeito desejado. Os reservatórios construídos com recurso da união estavam dentro de terras privadas, que poderiam e eram cercadas, a fim de limitar o acesso por meios físicos e sociais, com cercas e ameaças.
Passado a ideia de pequenos reservatórios como garantia de fornecimento d'água a população do semiárido, o DNOCS elevou o programa de açudagem a um novo patamar. Agora, as grandes obras tomaram espaço. A barragem do Figueredo, onde se encontra em Potiretama, Alto santo e Iracema, são exemplos das obras de grande porte. O represamento de água não algo novo no contexto do semiárido. Nos anos 2000, buscando resolver o problema da falta de água na região do médio Jaguaribe, o DNOCS iniciara as obras do reservatório que viria se chamar Açude do Figueredo. Para o introito da obra, era necessário desapropriar as famílias que seriam atingidas no processo de represamento da água. Ao todo, 141 famílias passaram por reassentamento. O estado, por sua vez, deveria assegurar o amparo social das pessoas que saíram para dar lugar ao equipamento público, com boas condições de moradia e sobrevivência. Dez anos após o começo das obras, o que lhes fora tirado, teto, chão e cidadania, ainda não haviam sido restituídos. As casas que não passavam das fundações não acompanharam o rápido andar das obras da barragem, que se encontrava nos estágios finais, esperando o alagamento. Com processos de acampamentos, os moradores reivindicavam as promessas do DNOCS e conseguiram, mas em tempo posterior ao programado, com uma qualidade inferior a prometida.
Passado a questão da retenção d´água, agora, atentamos na retenção da história que, assim como, está sob o domínio do cercado. Em Potiretama, Iracema e Alto-Santo, descobriu-se a existência de sítios arqueológicos em terrenos privados, com presença de pinturas rupestres e artefatos indígenas, que indicam possíveis migrações pelo local. Em Potiretama, por exemplo, o sítio está localizado na fazenda de José Vilani, no sítio Pitombeira. Para visitar, ou seja, cruzar a cerca, há necessidade de solicitar ao proprietário.
Com exceção dos moradores que as encontraram, não há preocupação alguma do poder público local no que concerne à preservação e reconhecimento destes como história. No mais que fazem, cedem um veículo para que seja feita visitas esporádicas.
Os moradores, cientes da importância do reconhecimento dos patrimônios de vivências, trilhas arqueológicas e rupestres, tentam elencar pautas junto à câmara municipal, apresentando projetos, tentando adquirir recursos para trazer profissionais que ajudem na idealização de museu –apesar de já haver um projeto encaminhado, em modelos de inventário participativo, que foi feito sem total vinculo com a prefeitura local — Mas, de lá, nada há de provir nenhuma ajuda. Everaldo
Gomes, arqueólogo, levado pela UFC, realizou a identificação, mapeamento, e apresentação de fichas dos três sítios ao IPHAN.
Senhores da água: o uso da cerca com represamento dos recursos hídricos e históricos do município de Potiretama Luiz Gustavo Cruz
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IMAGENS
mapa de Cícero Rubens
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